Da Redação
No sábado (15/01), o jornalista Lauro Jardim, em O Globo, antecipou:
O ministro da Saúde Marcelo Queiroga tem trabalhado para a implantação de um open health, que unificaria o sistema de planos de saúde do país. É a versão no setor de saúde do que já existe no bancário, com o open banking.
O ministro disse a seus aliados ter recebido a sugestão de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, para criar uma metodologia parecida com o open banking, que facilita a migração de clientes entre os bancos, sem longos prazos de carência.
Nessa quarta-feira (19/01), em entrevista ao Valor, o ministro Marcelo Queiroga foi explícito.
Afirmou que o governo planeja criar o ‘Open Health’ e que projeto já tem o aval do presidente Jair Bolsonaro.
Segundo ele, a ideia é que o “Open Health” funcione nos moldes do que acontece com os bancos no Open Banking,
que permite ao consumidor compartilhar dados com quais bancos desejar, o
que permite a oferta de produtos personalizados aos clientes.
Disse ainda que o governo estuda fazer uma Medida Provisória sobre o tema.
NOTA DOS PESQUISADORES DA USP E UFRJ
Em nota divulgada no final desta tarde, pesquisadores dos grupos de Estudos sobre Planos de Saúde da Faculdade de Medicina da USP
(GEPS) e do de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde
da UFRJ (GPDES) afirmam que a proposta de Queiroga é inconstitucional e
oportunista.
Abaixo a íntegra da nota.
Proposta do Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, de acesso a dados de clientes de planos de saúde, é oportunista e inconstitucional
O Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, anunciou que o governo planeja criar o ‘Open Health’, que consistiria no compartilhamento de dados de pacientes entre planos de saúde visando “ampliar a concorrência no setor de saúde suplementar”
A proposta é oportunista
Não tem cabimento o ministro Queiroga tentar agradar o setor empresarial em plena nova onda da pandemia, em meio à falta de testes de covid na rede privada, escândalo de operadora acusada pela CPI do Senado Federal, e previsão de mais um aumento das mensalidades dos planos de saúde acima da inflação.
O titular da pasta da Saúde, que deveria estar à frente da condução de respostas ao recrudescimento de casos de covid-19, registra, assim, mais um malogro de sua gestão.
A proposta tem claras intenções
Ao prever a circulação livre de dados dos pacientes entre as operadoras, a medida tem dois propósitos explícitos:
1) permitir a seleção de risco, para que as empresas possam escolher aquelas pessoas que não tem nenhuma doença; e
2) facilitar a venda de planos “customizados”, de menor cobertura, baseados no histórico passado do paciente, sem considerar a imprevisibilidade futura das necessidades de saúde das pessoas.
A proposta é inconstitucional e ilegal
O ‘Open Health’ do ministro Queiroga viola a Constituição Federal e fere a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
A Constituição (artigo 5.º, inciso X) protege a privacidade dos cidadãos
e cidadãs, assegurando que são invioláveis a intimidade e a vida
privada.
Segundo a LGPD (Art. 11, § 5º) “é vedado às operadoras de planos privados de assistência à saúde o tratamento de dados de saúde para a prática de seleção de riscos na contratação de qualquer modalidade, assim como na contratação e exclusão de beneficiários”.
De acordo com a legislação, a permissão de uso de dados, com expresso consentimento prévio do paciente, pode ocorrer apenas para seu próprio bene- fício, “exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária”.
Quanto aos dados compartilhados em prontuários eletrônicos e para fins de notificação sanitária de doenças, o sigilo e a confidencialidade estão também assegurados por Códigos de Ética médica e de profissionais.
Ou seja, jamais pode ocorrer o uso de dados sensíveis, como os de saúde individual, para fins comerciais e econômicos.
Já planos “customizados” , com coberturas reduzidas, ofertados a partir de dados de saúde individuais, são proibidos de comercialização pela Lei dos Pla- nos de Saúde (Lei 9.656/98).
A proposta não compete ao Poder Executivo
A formulação e aprovação de novas legislações são atividades para representantes políticos, para o Poder Legislativo, e não para o Ministério da Saúde, que integra o Poder Executivo. A eventual edição de Medida Provisória, mencionada pelo ministro, será imediatamente contestada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
No lugar de atender interesses de empresários da saúde em ano de eleição, o ministro Marcelo Queiroga devia, no momento, é se ocupar com a vacinação de crianças e coordenar efetivamente os esforços para o controle da nova onda de covid que ameaça colapsar o sistema de saúde mais uma vez.
GEPS
Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde. Coordenador: Prof. Mário Scheffer
GPDES
Grupo de Pesquisa e Documentação sobre Empresariamento na Saúde. Coordenadora: Profa. Ligia Bahia

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