Relatório produzido por pesquisadores, Defensoria Pública e familiares das vítimas do Massacre de Paraisópolis mostrou que ações policiais contra bailes funk não diminuem o crime — apenas reforçam a criminalização da cultura negra periférica
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| Edição do Funk Daora em quadra na comunidade de Paraisópolis | Foto: Divulgação |
Um relatório produzido por pesquisadores, pela Defensoria Pública e por familiares das vítimas do Massacre de Paraisópolis mostrou, com dados oficiais, que operações policiais contra bailes funk não são apenas ineficazes: funcionam como reforço institucional da criminalização do funk, tema tão debatido ao longo de 2025 com as prisões de Oruam e a CPI dos Pancadões da Câmara de São Paulo.
A genialidade do estudo foi apontar que um bairro nobre como os Jardins, onde bailes funk não acontecem, tem o mesmo número de ocorrências de crimes patrimoniais e contra a vida que Paraisópolis, onde há esse tipo de evento. Ou seja, torna óbvio que os bailes funk não aumentam a criminalidade de uma determinada região — como alguns querem fazer crer.
Esse estudo analisou 20 anos de ocorrências na área do 16º batalhão (Paraisópolis) e na do 11º batalhão BPM/M, que atua nos bairros da Aclimação, Cambuci e Jardins. Como observa o repórter Paulo Victor Ribeiro, na matéria em que analisa o estudo, “os crimes registrados em Paraisópolis acompanham o volume de ocorrências na capital, não apresentando valores mais altos de crimes apenas por ser um território com ocorrência de bailes funk”.
Na postagem da matéria do Paulo no Instagram, a maioria dos comentários foi no sentido de defender o direito do morador dormir em paz e sem barulho. O sossego é direito de todo cidadão, mas a reação não é a mesma quando, por exemplo, o assunto são cultos evangélicos que podem ser bem barulhentos (digo isso do lugar de fala de quem passou os anos 1990 dentro de uma igreja pentecostal). Eventos como grandes festivais de música, shows e jogos esportivos também não recebem a mesma atenção pública negativa.

O mesmo caminho do samba e do hip hop
Na virada do século XIX para o XX, outro gênero musical e cultural surgido nas periferias era perseguido: o samba. Sim, este que teve seu dia celebrado na última semana. Sim, este que, assim como o funk, é expressão nascida na negritude de tia Ciata, Donga, Madrinha Eunice e tantas outras pessoas. O ritmo que hoje é um dos grandes sinônimos culturais do Brasil.
O hip hop e o rap nacional também se incluem nesses gêneros musicais que surgem da negritude, são perseguidos, criminalizados e, hoje, estão na boca de geral como se nada tivesse acontecido. Nos anos 1980 e 1990, eram tratados quase como expressões “de criminoso”. Hoje, seus músicos são exaltados pela genialidade e pela crítica social que sempre esteve ali. Expressões da cultura negra sempre geram polêmica e incômodo, e isso nada tem a ver com seus significados ou letras. Como diz um funk, “é som de preto, de favelado”.
Foi por essa criminalização do funk que o Massacre de Paraisópolis aconteceu, há seis anos, completados esta semana. Em missa em memória dos 9 que todos nós perdemos, na Catedral da Sé, vimos as famílias das vítimas desse e de outros massacres, essa grande rede de mães que se apoia pelo país afora. A celebração, porém, não teve a mesma atenção e presença que outro evento na mesma catedral, que se encheu de personalidades, autoridades e movimentos sociais vestidas de branco por outras mortes cometidas pelo Estado.
E, nesses seis anos, as famílias de Bruno, Dennys Guilherme, Denys Henrique, Eduardo, Gabriel, Gustavo, Luara, Marcos Paulo e Mateus ainda aguardam que os responsáveis sejam julgados no Tribunal do Júri. O processo está no fim de uma longuíssima fase de instrução e não existe perspectiva de quando a próxima fase terá início. O Estado é rápido para matar e a Justiça lenta para responsabilizar, quando o faz.
O funk em si, a música, não é caso de polícia. Os bailes funk são eventos em que uma juventude marginalizada pelo centro encontra nas músicas ecos de sua realidade. É uma cultura periférica que carece de incentivo, política pública, espaços seguros e apoio. É expressão de quem só quer ser feliz e andar tranquilamente na favela onde nasceu.
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Publicado originalmente por: Ponte Jornalismo

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