do LUIS NASSIF ONLINE

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Um dos desdobramentos mais interessantes do caso “A Privataria Tucana” é o questionamento de uma das grandes fontes de poder da velha mídia: a capacidade de provocar inquéritos no Ministério Público e nos órgãos de controle em geral.

Em episódios recentes, o procurador geral da República abdicou do ato de avaliar denúncias, terceirizando o julgamento para a mídia. Tem preferência o fato tratado com mais estardalhaço. Na prática, significou transferir para a o editor uma prerrogativa que deveria ser exclusiva do MP. E para uma mídia que há muito tempo abriu mão de qualquer rigor na apuração de matérias.
Não é de hoje isso. Em 1997 escrevi uma coluna sob o título "O editor que virou juiz", criticando essa distorção.
Em grande parte, esse movimento decorre do desconhecimento do(s) Procurador(es) Geral(ais) sobre a qualidade intrínseca das matérias e denúncias mas, principalmente, sobre a lógica comercial e política por trás das matérias.
Nos anos 90, a mídia açambarcou a formação de reputação no meio médico. Criou figuras como o neurologista Jorge Pagura.

Quem estava no metier, tratando diretamente com a notícia, percebia a insuficiência da análise jornalística para temas técnicos, a falta de elementos e de formação do jornalista para julgar procedimentos ou reputações de especialistas. Era um achismo sem limites. No entanto, Pagura ganhou fama de "milagroso", depois de duas capas na revista Veja.
Desmascarado, o episódio acabou com esse jogo mídia-área médica. Na medicina e em outros campos, profissionais que recorriam à mídia para formar reputação acabaram sendo coibidos pelos próprios colegas.
Mas o MP e os órgãos de controle, em geral, continuaram aceitando o jogo do denuncismo, sem cumprir sua função de analisar a consistência ou não das denúncias. Virou manchete? Bastava para virar denúncia. Em vez de tratarem a informação como passo inicial para a formação de juízo, passaram a aceitar os critérios de valoração do editor. E isso na fase de menor comprometimento com fatos que se tem na história da mídia contemporânea.
À perda de critério jornalístico se somaram as intenções comerciais e políticas dos grupos jornalísticos - agora desnudados pela maneira como todos jornais e colunistas aderiram à lei do silêncio.
Como justificar o escândalo em torno de um avião alugado que transportou o Lupi, a denúncia (nunca comprovada) de que Orlando Silva recebeu dinheiro na garagem do Ministério, a bobagem da compra da tapioca e ignorar totalmente os documentos levantados pelo livro de Amaury Ribeiro Jr?
Os argumentos mambembes de Merval Pereira, em seu artigo em O Globo, foram uma tentativa desesperada de convencer o Procurador Geral que há um critério jornalístico isento, técnico, criterioso, que impede que os jornais divulguem o livro.
E aí foi aquele besteirol amplo, de que o criminoso – por participar do crime – tem mais credibilidade do que o não criminoso. Passou ao largo das intenções por trás das denúncias e outros argumentos ao alcance de qualquer adolescente que assista Law & Order na TV a cabo.
É impossível para uma figura com a experiência de Roberto Gurgel embarcar nessa história de que o livro é irrelevante. Se embarcar é pelo gosto de ir a reboque. Que peça demissão e indique Merval para Procurador Geral.
A lição que fica é a necessidade do Judiciário, Congresso e Ministério Público se aprofundarem mais no tema, montar seminários sobre mídia abrindo espaço para o contraditório, ter capacidade de separar os fatos comprovados das matérias de aquário, denúncias sólidas das ficções e esquentamentos.
Aliás, a maior bobagem que poderá ser cometida - pelos defensores do livro - será tentar transformar as denúncias em questão ideológica. Mal feitas ou não, as privatizações são irreversíveis. O que está em jogo é uma questão policial, de suspeita de suborno.

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