CONTEXTO LIVRE

Em março de 2010, portanto, há quase dois anos, a presidenta da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Maria Judith Brito, afirmou que em nome da responsabilidade de fazer o contraponto os meios de comunicação brasileiros “estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada”.
Desde então, por diversas vezes, os meios de comunicação deflagraram movimentos próprios de oposição. Mas talvez a atual “Operação pró-José Serra” seja o momento em que fica mais evidente a tentativa de dar sentido e organizar as oposições.
Mesmo sem uma declaração de Serra, a eventualidade de uma candidatura sua na sucessão municipal de São Paulo foi colocada no tabuleiro e alimentada ininterruptamente na última semana.
De fato, com coberturas dignas de propaganda antecipada, os jornalões passaram a se encarregar de conduzir uma candidatura que ninguém assume — nem Serra, nem o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), nem o prefeito da capital, Gilberto Kassab (PSD).
A possibilidade é apresentada pela grande imprensa como tábua de salvação das forças de oposição que estão cada vez mais fragilizadas e em movimento de dispersão.
A avaliação é de que Serra é um nome forte, que já governou a cidade e o Estado e pode colaborar para rearticular as oposições a partir da prefeitura. É, portanto, um movimento tático localizado em São Paulo, mas que atende a uma estratégia nacional para as oposições.
Nesse raciocínio, ter Serra candidato seria fundamental para reagrupar PSDB, DEM e PPS e impedir que o PSD de Kassab apóie tanto o governo da presidenta, Dilma Rousseff, como a candidatura a prefeito de Fernando Haddad (PT).
É esse objetivo que leva os grandes meios de comunicação a tentar forçar a entrada de Serra na disputa. Muitas vezes, os artifícios são manipulação, desinformação e campanha político-partidária escancarada.
Nesse enredo, a tão propalada realização de prévias para escolha do candidato tucano, alçadas à condição de demonstração maior de democracia interna, podem não ter valor algum. Isto porque, se Serra for atraído para o tabuleiro eleitoral, os quatro postulantes à candidatura municipal terão participado das prévias apenas para abrir mão em favor dele.
Nessa questão, aliás, os tucanos acabaram tecendo a própria rede na qual estão presos: ao atacar o PT por encontrar em Haddad uma candidatura consensual, o PSDB fez das prévias algo crucial no processo de definição de um nome, mas se agora escolherem não fazer as prévias, como explicarão à população essa mudança repentina?
Além disso, nos cálculos dos grandes jornais, só existe a contabilidade positiva. Nos cenários traçados para emplacar Serra candidato, são listadas as qualidades de ter 21% de intenção de voto, ser nome “consensual”, ser conhecido ou ter experiência administrativa.
Mas os contras de uma candidatura Serra nem são lembrados, como ter 35% de rejeição, criar insatisfações internas por conta das prévias, ter sido derrotado em eleições presidenciais por duas vezes, não significar mudança e ter renunciado à mesma prefeitura com apenas um ano e meio de mandato.
Ademais, Alckmin está no campo oposto a Serra no ninho tucano, pois não perdoa e não esquece a derrota na sucessão municipal de 2008, quando Serra apoiou Kassab. Ou seja, Alckmin faz que aceita Serra como candidato, mas tende a dar o troco apoiando Gabriel Chalita (PMDB).
O compromisso de terminar a gestão é, inclusive, uma questão relevante para Serra, pois como explicará que desconsiderou o documento, assinado e registrado em cartório, comprometendo-se a ficar na prefeitura até o fim do mandato?
Como convencer as pessoas de que não quer usar o cargo de prefeito de novo como trampolim para outro posto político?
É uma questão palpitante já que Serra não cumpriu integralmente nenhum de seus mandatos anteriores — legislativos ou executivos.
As análises do panorama eleitoral também desconsideram a força do PT na cidade, que historicamente atinge um terço dos votos, e do projeto que vem sendo realizado em plano nacional com êxitos.
Ademais, o PT tem uma obra realizada na cidade por dois extraordinários governos — das prefeitas Luiza Erundina (1989-1992) e Marta Suplicy (2001-2004).
Ou seja, se uma eventual candidatura Serra naufragar, o efeito será o oposto ao pretendido pelos grandes meios de comunicação: as crises e divisões no campo oposicionista serão aprofundadas e não superadas.
Neste caso, a luz no fim do túnel avistada com Serra pode ser a pá de cal nas oposições como as conhecemos atualmente.
O quadro, portanto, obriga o PT a tirar uma linha de ação nacional: trabalhar em torno das coligações com nossos aliados tradicionais sem esquecer da importância de um leque amplo de apoio e das especificidades locais.
Devemos nos orientar pela perspectiva de ter candidaturas alinhadas como projeto nacional chegando ao segundo turno no maior número de cidades e vencendo as eleições em grande parte dos 118 municípios com mais de 100 mil eleitores.
E, finalmente, entender que o jogo em andamento em São Paulo será decisivo para delinear o futuro das alianças políticas para os próximos anos.
José Dirceu, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT

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