— Senhor?
— Pois não?
— Adão na linha três.
— Pode passar.
— Alô?
— Oi, Adão.
— Oi, Deus. Tudo bem?
— Tudo e você?
— Mais ou menos. Será que o Senhor pode me tirar uma dúvida?
— Posso tentar. Diga.
— Prensada é da defesa?
— Prensada o quê?
— Prensada é da defesa?
— Adão, do que você está falando?
— Nós estávamos jogando futebol aqui embaixo e a bola saiu pela linha de fundo. Tem uns macacos aqui estão falando que agora é tiro de meta, porque bola prensada é da defesa.
— Adão…
— Eu acho que é escanteio. O Senhor não acha?
— Eu não sei. Eu não vi o lance.
— Mas independente disso, esse negócio de prensada é da defesa não é bobagem?
— Não sei, Adão. Creio que sim.
— Arrá! Vou falar isso para os macacos!
— Certo.
— Aliás… O que o Senhor acha de elaborar umas regras oficiais?
— Como assim?
— Escrever umas regras de verdade, porque os jogos aqui no Paraíso estão sempre terminando em briga. O Senhor poderia colocar as regras em uma ou duas tábuas, sei lá… Algum lugar onde todos pudessem ver. Assim não teríamos mais problemas como esse.
— Não, Adão. Eu já pensei nesse negócio de escrever em tábuas, mas estou guardando para outra coisa.
— Certo. Não precisa ser tábua. Mas, mesmo assim, umas regras viriam bem a calhar. Por exemplo, sobre o goleiro e fazer cera.
— Cera? As abelhas estão jogando também?
— Não, não é cera de abelha. Por exemplo, ontem nós jogamos contra um time de bichos-preguiça. Fizemos uma bobagem na defesa e tomamos um gol no começo do jogo. Dois minutos depois, eles atrasaram a bola para o goleiro e ele demorou trinta minutos para repor a bola em jogo. Ficou lá, deitado, agarrado na bola, sem fazer nada.
— Bem, Adão…
— Isso sem falar nos felinos! Semana passada nós jogamos contra eles e perdemos de oito a zero. Quem fez os gols foi o guepardo, jogando aberto na ponta, mas ele estava impedido em todos os lances. Ele é muito rápido, então entrava sempre sozinho na área.
— Mas vocês certamente podem se entender aí embaixo com isso.
— No caso dos bichos-preguiça, sim. Mas com os felinos, ninguém teve coragem de reclamar com o guepardo. Então ficou por isso mesmo. Por isso que umas regras oficiais ajudariam bastante. Poderíamos até fazer um campeonato.
— Campeonato?
— Sim. Todas as espécies jogando entre si. O que o Senhor acha? Iria promover a integração entre os animais. Fora que daria cada jogão…
— Hum… Até que é uma boa ideia. Mas seriam jogos demais.
— Não se dividirmos os animais em grupos. Cada grupo tem quatro times. E o vencedor de cada grupo enfrenta o vencedor de outro grupo. Quem perder é eliminado. Até sobrarem somente dois, que fazem o jogo final! E o Paraíso inteiro iria assistir a este jogo!
— Gostei. Gostei mesmo. Boa ideia. Estou orgulhoso de você, Adão.
— Obrigado.
— Então vamos fazer assim. Eu vou escrever as regras e elaborar um campeonato. Mas, Adão, você precisa me prometer uma coisa.
— Diga.
— Você vai ganhar essa Copa. Você e os macacos.
— Bom, vamos tentar…
— Não, Adão. Eu preciso que o seu time ganhe. Porque você é criado à Minha imagem e semelhança. Seria feio para mim se você perdesse.
— Bem, Senhor, temos outros times fortes aqui. Por exemplo, os elefantes, que entram com seis na defesa e ficam chutando bola para a torcida. É impossível fazer gol ali. Isso sem falar no jogo aéreo das girafas, é sempre um perigo.
— Não Me importa, Adão. É importante que você e seu time ganhe.
— Como eu disse, Senhor, faremos o possível. Mas, o Senhor sabe que futebol é uma caixinha de surpresas.
— Como?
— Futebol é uma caixinha de surpresas.
— De onde você tirou esta frase?
— Não sei. Acabei de inventar, acho.
— Bom, deixa para lá. Tenho uma ideia. Tem um anjo aqui que adora futebol. Ele está sempre vendo vocês jogarem daqui de cima, dando palpites sobre posicionamento, essas coisas. Que tal se eu pedir para ele descer até aí e treinar vocês?
— Putz! Seria ótimo!
— Então falarei com ele.
— Certo!
Felipão dando carrinho: um dos últimos praticantes do futebol A.C.
— Bem, recapitulando. Eu preciso falar com o anjo, escrever as regras e elaborar o campeonato. Algo mais?
— Arrumar uma bola também seria legal.
— Bola? Vocês não têm bolas aí?
— Não. Nós jogamos com cocos. Uma bola iria melhorar bastante as coisas aqui.
— Certo. Vou ver o que consigo. Até logo, Adão.
— Tchau!
Assim, duas semanas depois, começou a Primeira Copa do Mundo. Ou, ao menos, do Paraíso, que na verdade era o mundo inteiro naquela época.
E o time dos primatas começou bem. O anjo-técnico havia montado o time com um macaco-aranha no gol, dois gorilas na defesa e um babuíno de volante. Na frente, Adão jogava adiantado e de costas para o gol, fazendo o trabalho de pivô para os chipanzés que avançavam do meio de campo.
No primeiro jogo, ganharam por três a um de um combinado de antas e tamanduás. No segundo jogo, empataram sem gols com o time dos hipopótamos. A fase dos grupos foi fechada com uma goleada de sete a zero em cima de um time composto por focas e ariranhas, que estranharam o gramado seco e não conseguiram se entender em campo.
Campeões do grupo, os primatas foram para as oitavas de final como grandes favoritos. Especialmente porque o adversário (um combinação de lhamas e carneiros) não impunha muito respeito.
Mas a tragédia foi total: mal posicionado, o time dos primatas não fazia a bola chegar ao ataque. E tudo piorou quando o anjo-técnico tirou Adão do time e colocou um mico-leão de centroavante. Perdido entre as lhamas, o pequeno animal nada conseguiu fazer. Perderam de um a zero. Eliminação precoce.
No dia seguinte, começaram os rumores. Descobriu-se que o técnico era amigo do agente do mico, e o colocara em campo apenas para que ele tivesse visibilidade e fosse vendido para outro time. Todos passaram a suspeitar de que o treinador tinha interesses financeiros na transação e o clima ficou pesado.
Sem alternativas, Deus chamou o anjo para uma conversa.
Pouco menos de uma hora depois, o treinador foi demitido do cargo e, de quebra, também perdera o posto de anjo.
E assim Lúcifer se tornou o primeiro técnico caído da história.
— Pois não?
— Adão na linha três.
— Pode passar.
— Alô?
— Oi, Adão.
— Oi, Deus. Tudo bem?
— Tudo e você?
— Mais ou menos. Será que o Senhor pode me tirar uma dúvida?
— Posso tentar. Diga.
— Prensada é da defesa?
— Prensada o quê?
— Prensada é da defesa?
— Adão, do que você está falando?
— Nós estávamos jogando futebol aqui embaixo e a bola saiu pela linha de fundo. Tem uns macacos aqui estão falando que agora é tiro de meta, porque bola prensada é da defesa.
— Adão…
— Eu acho que é escanteio. O Senhor não acha?
— Eu não sei. Eu não vi o lance.
— Mas independente disso, esse negócio de prensada é da defesa não é bobagem?
— Não sei, Adão. Creio que sim.
— Arrá! Vou falar isso para os macacos!
— Certo.
— Aliás… O que o Senhor acha de elaborar umas regras oficiais?
— Como assim?
— Escrever umas regras de verdade, porque os jogos aqui no Paraíso estão sempre terminando em briga. O Senhor poderia colocar as regras em uma ou duas tábuas, sei lá… Algum lugar onde todos pudessem ver. Assim não teríamos mais problemas como esse.
— Não, Adão. Eu já pensei nesse negócio de escrever em tábuas, mas estou guardando para outra coisa.
— Certo. Não precisa ser tábua. Mas, mesmo assim, umas regras viriam bem a calhar. Por exemplo, sobre o goleiro e fazer cera.
— Cera? As abelhas estão jogando também?
— Não, não é cera de abelha. Por exemplo, ontem nós jogamos contra um time de bichos-preguiça. Fizemos uma bobagem na defesa e tomamos um gol no começo do jogo. Dois minutos depois, eles atrasaram a bola para o goleiro e ele demorou trinta minutos para repor a bola em jogo. Ficou lá, deitado, agarrado na bola, sem fazer nada.
— Bem, Adão…
— Isso sem falar nos felinos! Semana passada nós jogamos contra eles e perdemos de oito a zero. Quem fez os gols foi o guepardo, jogando aberto na ponta, mas ele estava impedido em todos os lances. Ele é muito rápido, então entrava sempre sozinho na área.
— Mas vocês certamente podem se entender aí embaixo com isso.
— No caso dos bichos-preguiça, sim. Mas com os felinos, ninguém teve coragem de reclamar com o guepardo. Então ficou por isso mesmo. Por isso que umas regras oficiais ajudariam bastante. Poderíamos até fazer um campeonato.
— Campeonato?
— Sim. Todas as espécies jogando entre si. O que o Senhor acha? Iria promover a integração entre os animais. Fora que daria cada jogão…
— Hum… Até que é uma boa ideia. Mas seriam jogos demais.
— Não se dividirmos os animais em grupos. Cada grupo tem quatro times. E o vencedor de cada grupo enfrenta o vencedor de outro grupo. Quem perder é eliminado. Até sobrarem somente dois, que fazem o jogo final! E o Paraíso inteiro iria assistir a este jogo!
— Gostei. Gostei mesmo. Boa ideia. Estou orgulhoso de você, Adão.
— Obrigado.
— Então vamos fazer assim. Eu vou escrever as regras e elaborar um campeonato. Mas, Adão, você precisa me prometer uma coisa.
— Diga.
— Você vai ganhar essa Copa. Você e os macacos.
— Bom, vamos tentar…
— Não, Adão. Eu preciso que o seu time ganhe. Porque você é criado à Minha imagem e semelhança. Seria feio para mim se você perdesse.
— Bem, Senhor, temos outros times fortes aqui. Por exemplo, os elefantes, que entram com seis na defesa e ficam chutando bola para a torcida. É impossível fazer gol ali. Isso sem falar no jogo aéreo das girafas, é sempre um perigo.
— Não Me importa, Adão. É importante que você e seu time ganhe.
— Como eu disse, Senhor, faremos o possível. Mas, o Senhor sabe que futebol é uma caixinha de surpresas.
— Como?
— Futebol é uma caixinha de surpresas.
— De onde você tirou esta frase?
— Não sei. Acabei de inventar, acho.
— Bom, deixa para lá. Tenho uma ideia. Tem um anjo aqui que adora futebol. Ele está sempre vendo vocês jogarem daqui de cima, dando palpites sobre posicionamento, essas coisas. Que tal se eu pedir para ele descer até aí e treinar vocês?
— Putz! Seria ótimo!
— Então falarei com ele.
— Certo!
Felipão dando carrinho: um dos últimos praticantes do futebol A.C.
— Bem, recapitulando. Eu preciso falar com o anjo, escrever as regras e elaborar o campeonato. Algo mais?
— Arrumar uma bola também seria legal.
— Bola? Vocês não têm bolas aí?
— Não. Nós jogamos com cocos. Uma bola iria melhorar bastante as coisas aqui.
— Certo. Vou ver o que consigo. Até logo, Adão.
— Tchau!
Assim, duas semanas depois, começou a Primeira Copa do Mundo. Ou, ao menos, do Paraíso, que na verdade era o mundo inteiro naquela época.
E o time dos primatas começou bem. O anjo-técnico havia montado o time com um macaco-aranha no gol, dois gorilas na defesa e um babuíno de volante. Na frente, Adão jogava adiantado e de costas para o gol, fazendo o trabalho de pivô para os chipanzés que avançavam do meio de campo.
No primeiro jogo, ganharam por três a um de um combinado de antas e tamanduás. No segundo jogo, empataram sem gols com o time dos hipopótamos. A fase dos grupos foi fechada com uma goleada de sete a zero em cima de um time composto por focas e ariranhas, que estranharam o gramado seco e não conseguiram se entender em campo.
Campeões do grupo, os primatas foram para as oitavas de final como grandes favoritos. Especialmente porque o adversário (um combinação de lhamas e carneiros) não impunha muito respeito.
Mas a tragédia foi total: mal posicionado, o time dos primatas não fazia a bola chegar ao ataque. E tudo piorou quando o anjo-técnico tirou Adão do time e colocou um mico-leão de centroavante. Perdido entre as lhamas, o pequeno animal nada conseguiu fazer. Perderam de um a zero. Eliminação precoce.
No dia seguinte, começaram os rumores. Descobriu-se que o técnico era amigo do agente do mico, e o colocara em campo apenas para que ele tivesse visibilidade e fosse vendido para outro time. Todos passaram a suspeitar de que o treinador tinha interesses financeiros na transação e o clima ficou pesado.
Sem alternativas, Deus chamou o anjo para uma conversa.
Pouco menos de uma hora depois, o treinador foi demitido do cargo e, de quebra, também perdera o posto de anjo.
E assim Lúcifer se tornou o primeiro técnico caído da história.
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