Roberto Carvalho (*)
O governo golpista tentou utilizar forças policiais e militares para conter a paralisação, mas não obteve nenhum efeito, além de radicalizar o movimento em alguns casos.
Os rumores sobre a queda de Temer ocorrem, praticamente, desde a usurpação da presidência da República. A cada derrapada do ilegítimo e golpista ocupante do Palácio do Planalto, ou sempre que suas falcatruas são expostas – como no caso absurdo da JBS – , o volume dos boatos cresce.
O ilegítimo conseguiu atravessar todas essas tempestades entregando a cada crise maiores nacos do seu poder. Suas últimas reservas de poder, para ceder em troca de sua continuidade na cadeira de presidente parecem ter se esgotado agora, em decorrência do complexo movimento dos caminhoneiros, que paralisou o país.
Logo na terça-feira, dia 29 de maio, quando os parlamentares e os ministros do STF iniciaram a sua curtíssima jornada semanal de trabalho, começaram a pipocar em Brasília alertas de que eram cada vez mais fortes os rumores, dando conta de que estava em curso a contagem regressiva para a queda de Temer.
Segundo me disse um jornalista com bom trânsito nos bastidores de Brasília, “durante a madrugada de terça, para quarta (dias 20 e 30), chegou-se a esboçar um cronograma, para a implosão do que resta de Temer e da corja palaciana”.
Ainda conforme esse jornalista, “os partidos, todos os partidos, estariam convencidos de que o melhor caminho é o estabelecimento de um pacto de governabilidade, até a posse do novo presidente, em 2019”. A informação do repórter, meu amigo, dá conta de que o acordo prevê a posse de Rodrigo Maia, para fazer a travessia desses quase 210 dias.
Não sei se é verdade. Entretanto, o país chegou a um estado de esgarçamento tão grande e de falta absoluta de comando, que a surpresa seria se não houvesse conversa entre os chefes do condomínio do golpe. Não sei se o PT participa dessas discussões.
Sem confiança nas instituições a democracia morre
Porém creio que um assunto central, que parece escapar nas análises de diversos comentaristas, principalmente os mais afinados com o discurso narrativo da velha mídia do baronato, é a questão da legitimidade.
O golpe quebrou a legitimidade e os estudiosos das ciências políticas são enfáticos em apontar esse conceito como um importante cimento civilizatório, para manter a estabilidade do tecido social. Se não há legitimidade, o cidadão comum desconfia dos governantes e existe a tendência de reduzir a obediência social.
Uma conquista civilizatória importante, que vem dos pensadores liberais do Século XVIII e chega aos pensadores atuais é a autocontenção dos cidadãos a partir da confiança nas instituições. Nenhuma sociedade é enquadrada apenas pela força – não há força suficiente para isso – portanto é preciso obter a adesão dos cidadãos a princípios como a lei, a justiça e, entre outras crenças consensuais em uma comunidade, a confiança na autoridade.
Nas sociedades primitivas a adesão a um comportamento socialmente aceitável era assegurada pela religião e os costumes. Nas sociedades civilizadas modernas, a adesão se dá a partir da crença na constituição e nas instituições derivadas da carta magna – em termos simples, na adesão ao contrato social.
Quando isso é quebrado, como ocorreu com o golpe, no Brasil, a confiança é quebrada, portanto a legitimidade deixa de existir. Aparentemente as coisas continuam normais, a vida segue, mas a descrença geral cresce e pode levar a situações limite, como a que ocorreu na paralisação dos caminhoneiros.
Não foram somente os caminhoneiros que não acreditaram no governo golpista. Na prática, o Brasil não confia e não acreditou nas ações emanadas de Brasília. A força não resolve as crises de legitimidade e, ao contrário, tende a acirrar os ânimos e pode piorar a situação.
Isso foi didaticamente demonstrado, quando o governo golpista tentou utilizar forças policiais e militares para conter o movimento, mas não obteve nenhum efeito, além de radicalizar o movimento em alguns casos.
Só a democracia restabelece a confiança
Portanto, a crise é de legitimidade e de credibilidade e uma situação limite como essa não se resolve apostando ainda mais em artifícios golpistas, como o que pretende levar Rodrigo Maia ao poder. Nenhuma solução nesse sentido vai resolver o problema de fundo que é a normalidade institucional, quebrada pelo golpe.
A democracia possui regras escritas na constituição, mas também elementos de psicologia social. Um contingente crescente dos brasileiros, conforme revelam as pesquisas, hoje tem convicção de que houve um golpe e que a democracia brasileira está ferida de morte. Manobras políticas, excluindo o eleitorado brasileiro ou que não apontem para o restabelecimento da situação anterior ao golpe não vão ter a confiança da população. Dessa forma somente contribuirão para acirrar o clima de contestação individual e coletiva dos brasileiros, “contra tudo o que está ai”.
Manobras como Rodrigo Maia, Eunício de Oliveira, ou o parlamentarismo sem plebiscito, criminosamente encaminhado por Cármen Lúcia, não são soluções. Ao contrário vão aprofundar a crise. O Brasileiro aprendeu a viver em uma democracia e não vai abrir mão disso.
A saída, que de fato recuperar a legitimidade, através da busca pela confiança da maioria da população, é a via democrática e constitucional: significa reempossar Dilma, para que ela presida das eleições, e libertar Lula, para que ele possa ser candidato.
De outra forma, a legitimidade não será restabelecida e a maioria da população – e do mundo – vai ver as eleições brasileiras como uma fraude.
(*) Roberto Carvalho é administrador de empresas. Foi vereador, deputado estadual e vice prefeito de Belo Horizonte (gestões Fernando Pimentel e Márcio Lacerda).
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