Lei sancionada por Temer no início da semana é questionada por especialistas da área por não apresentar planos práticos e gerar conflitos de competência
Michel Temer assina lei que cria o Susp | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Chamado por alguns de SUS da Segurança Pública, a lei que cria o Susp pretende integrar as ações entre as três esferas de governo (municipal, estadual e federal) e os órgãos de segurança tem sido considerada insuficiente pela ausência de um plano prático, segundo especialistas ouvidos pela Ponte. Há quem diga que a iniciativa tem pontos estruturais interessantes, mas fica longe de abrir a caixa de ferramentas para redefinir os princípios da segurança pública no país. Pelo projeto, que virou lei nesta segunda-feira (11/6), após assinatura do presidente Michel Temer, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal passam a atuar em parceria com as polícias Civil e Militar de cada estado e as guardas municipais das cidades. Será criado um banco de dados integrado e padronizado para registrar as ocorrências.
O ministério extraordinário da Segurança Pública se torna responsável por coordenar as ações com as secretarias estaduais de acordo com metas pré-estabelecidas e repasse de recursos. Para determinar os objetivos a curto, médio e longo prazo, o governo federal vai ainda formular um plano nacional de segurança pública e defesa social. Com ele, os estados e municípios terão até dois anos para determinarem suas próprias metas de resultados.
Um dos primeiros pontos passíveis de crítica é o fato de o Ministério da Segurança ter vida útil assegurada somente até o fim do ano – é uma pasta criada de forma extraordinária. Além disso, tirar as ideias do papel em colocá-las em prática dependerá de “boa vontade”.
“Um projeto de transformação estrutural se converteu em uma enorme ilusão, um discurso genérico de boas intenções. Algumas discutíveis, outras são sugestões. Uma vez posta em prática efetivamente, produziria uma série de ações por inconstitucionalidade em cadeia”, pontua o ex-secretário Nacional da Segurança Pública, o antropólogo Luiz Eduardo Soares. “Como não muda a Constituição, cada ente da segurança pode questionar que sua autonomia está sendo desrespeitada. O Susp é um puxadinho legal, não abre a caixa de pandora, caixa de ferramentas para redefinir a arquitetura da segurança”, explica.
Para Soares, reformular o modelo policial e redistribuir o poder entre os entes são peças-chave na mudança da política de segurança. Contudo, insuficiente como Sistema Único, apenas com mudança no artigo 144 da Constituição. “Tentamos em 2003, no governo Lula. Fizemos nos estados, mas dependia da boa vontade política porque não tem base legal. E não deu certo. É irrealizável, um teatro ilusório”, prossegue.
Para o coronel reformado da PMERJ (Polícia Militar do Rio de Janeiro) Robson Rodrigues, a questão da integração dependerá de quem será o comandante final de todas as polícias envolvidas na questão. “O Brasil é muito desigual, isso tem que ser levado em consideração. A integração, padronização dos dados dependerá da governança. Fora que existem outros atores: será preciso articular com a Justiça e o MP. A segurança não é só polícia”, analisa. “É um primeiro passo bom, mas precisa aprimorar e tem espaço para aperfeiçoamento. Tem que ver como funcionará, qual o fôlego administrativo e gerencial do ministério”, pondera o ex-oficial.
Outro coronel da reserva da PM paulista Adilson Paes de Souza é mais cético quando aos resultados com o Susp. “Do jeito que está colocado e será implantado, não vai dar resultado prático. É uma nova versão do que já foi tentado pelo FHC (Fernando Henrique Cardoso, presidente entre 1995 e 2002), pelo Lula (presidente de 2003 a 2010) e não deu certo. Notícia velha, requentada. Uma lei aprovada a toque de caixa em dois meses, com um relator da Bancada da Bala e sem plano elaborado”, critica. “Não se quebra a cultura das várias corporações da segurança, que não confiam e não conversam uma com a outra. Hoje, o crime é mais organizado do que quem tenta combatê-lo”, aponta.
Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), concorda com a tese de que a integração posta como grande questão no sistema de segurança não será solucionada com o SUS da Segurança. “Não se muda a realidade com uma lei. São práticas arraigadas de desconfiança e não compartilhamento de informações vindas de séculos. Por outro lado, se tivesse política de governo, seria positivo. Depende disso para sair do papel. É uma ótima ideia em um péssimo momento”, classifica. “Ainda assim, é um caminho. Criou-se um padrão… Que seja um avanço”, continua.
O formato escolhido para se modificar a estrutura em volta da segurança é considerado insuficiente pelo presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. “Uma lei não faz o necessário, era preciso uma PEC para alterar a Constituição. Quando olha para a lei, ela cria procedimentos comuns, padroniza, mas é tão somente uma carta de princípios que, quem não seguir, não receberá dinheiro. Para resolver, precisava alterar alguns capítulos da Constituição, dizendo que a segurança pública é de competência compartilhada”, explica.
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