Com testemunhos de pessoas oprimidas pelas milícias no Rio de Janeiro, o jornal Le Monde desta quarta-feira (13) mostra o terror que os grupos espalham pela capital carioca e cidades próximas.


O primeiro depoimento é de Luiz Carlos, que há oito anos abriu um estacionamento simples em Seropédica, periferia do Rio, cidade de 80 mil habitantes tomada por milícias formadas por ex-policiais, ex-militares, bombeiros e outros valentões, explica a reportagem.



Eis que no ano passado, ele passou a ser “cobrado pela segurança” do local. A cada semana, uma pessoa diferente vinha buscar R$ 150. Entre os vizinhos comerciantes, quem não pagasse era vítima de retaliação, que podia ser ameaça armada ou assalto. Luiz Carlos aguentou sete meses e resolveu se exilar no norte do país, onde virou taxista.

Voto para Bolsonaro


Andinho, um outro entrevistado continua em Seropédica, pagando R$ 40 semanais para manter sua loja de equipamentos automotivos. Para compensar a despesa, ele vira ambulante nos fins de semana e vende pizzas. O vendedor diz ao Monde que se sente humilhado e que já perdeu a esperança nas instituições. Nas próximas eleições para presidente, ele vai votar no candidato “mais louco”: Bolsonaro. “É preciso alguém como ele, alguém que ponha medo”, diz.



O jornal francês conta que as milícias da cidade atuam em várias transações comerciais ilegais, de botijões de gás a assinaturas de TV a cabo, passando por serviços de van e empréstimos a preço de agiota. Eles não se metem no narcotráfico, mas exigem contrapartidas. Quando os barões da droga se recusam a pagar um certo pedágio, é guerra certa.

Câncer


O sociólogo Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência do Rio, contou ao Monde que as “milícias são mais temidas que os traficantes, pois são melhor organizadas”. Os integrantes são principalmente ex-policiais ou da ativa e os grupos têm uma hierarquia bem definida. “É um câncer”, diz Cano.



A reportagem cita um levantamento informal do site G1, a partir de investigações, processos e boletins de ocorrência, que estima que as milícias dominem 11 cidades, 37 bairros e 165 favelas, ou seja 348 km².

As confissões e testemunhos são raríssimos num cenário de uma média de 15 mortos por dia e desaparecimentos de corpos – jogados em fossas, dados de comida a animais ou queimados na mata.

Uma professora de história de Duque de Caxias conta que teve que passar por cima de um corpo na entrada da escola onde trabalha. De noite, o cadáver continuava lá.

Ecos da ditadura


As milícias atuais têm raízes nos esquadrões da morte da ditadura, explicam os historiadores. O poder paralelo seduz policiais mal pagos, ávidos por carros novos e correntes de ouro. Uma parte da população exasperada também apoia essas ações, assim como políticos.



Le Monde fala sobre as torturas sofridas por uma equipe do jornal O Dia, há dez anos. Uma comissão parlamentar sobre as milícias, presidida por Marcelo Freixo, levou 225 pessoas à prisão, graças a um sistema de denúncias anônimas. O deputado do PSOL explicou ao jornal francês que o “Estado sempre esteve ausente, mais opressor que protetor”, numa cidade onde os miseráveis são 80% da população.

Ele conta que o relatório da comissão fez 58 propostas para acabar com as milícias. “Quase nenhuma foi posta em prática”, diz o deputado, que tem a cabeça a prêmio e vive sob escolta. Le Monde lembra que Freixo era amigo da vereadora Marielle Franco, assassinada em 14 de março.

Foto: Reportagem de Le Monde mostra mundo das milícias no Rio  GERJ


RFI

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