ALBERTO E SUA VICE, CRISTINA. FOTO: REPRODUÇÃO TWITTER

Martín Fernández Lorenzo

Quando faltavam 44 dias para o encerramento das listas de candidatos presidenciais, Cristina Fernández de Kirchner fez uma jogada memorável em 9 de maio, apresentando seu livro Sinceramente em Buenos Aires, na Feira do Livro. O evento contou com a participação das Mães e Avós da Praça de Maio, organizações de direitos humanos, líderes políticos do peronismo e de outros partidos, sindicalistas e empresários. Atores argentinos famosos, como Leo Sbaraglia e Cecilia Roth (ambos no último filme de Pedro Almodóvar, Dor e Glória), e o músico Leon Gieco também estiveram presentes.

Em uma sala lotada, com telas gigantes do lado de fora, Cristina falou por 35 minutos, e, apesar do dia chuvoso e das sete ameaças de bomba a duas estações de trem, uma multidão estava presente nas ruas para acompanhar a ex-presidenta. Um preso foi acusado de ser o autor das ameaças. Nos últimos dois meses já houve 19 falsos alarmes de bomba a estações de trem no país.



Ainda assim, o lançamento do livro, um ensaio sobre a história recente do país, foi sem dúvida o maior evento político do ano. No governo, o silêncio reinou. O livro foi considerado um “sucesso editorial sem precedentes”. Até o momento, mais de 250 mil cópias foram vendidas, com o livro ocupando o primeiro lugar em todas as listas de best sellers. Cristina fez lançamentos nas províncias de Chaco, Santa Fé e Santiago del Estero, sempre em salas cheias, e com uma multidão acompanhando-a nas ruas. Arruinou a oposição com um livro. Poético.

Embora todos esperassem que ela anunciasse sua candidatura à presidência, a ex-presidenta deixou o anúncio em suspenso e, 15 dias depois, tornou oficial a grande surpresa: vai sair a vice-presidente e não na cabeça de chapa. Em suas redes sociais, Cristina voltou a surpreender o oficialismo anunciando a Alberto Fernández como candidato. Fernández, que havia sido chefe de gabinete e amigo íntimo de Néstor Kirchner, mas que no passado criticou o governo de Cristina, agora fazia parte do Kirchnerismo na chapa “Frente de Todos”, tornando-se nada menos que o candidato a presidente.

Lançado em maio, o livro de Cristina, Sinceramente, é “um sucesso editorial sem precedentes”. Até o momento, mais de 250 mil cópias foram vendidas, com o livro ocupando o primeiro lugar em todas as listas de best sellers
Na apresentação de Sinceramente, Cristina havia destacado a aproximação entre os dois. Segundo ela, foi o próprio Fernández (considerado na época pelo jornal Clarín como “articulador de Cristina”) quem lhe deu a ideia de escrever o livro. A decisão de sair a vice é uma jogada de mestre porque, eleita, Cristina acumulará automaticamente a presidência do Senado argentino. Ou seja, dará ao presidente condições plenas para governar o país –além de garantir para si mais quatro anos de imunidade parlamentar, driblando a perseguição judicial que sofre, similar a que Moro e cia. fazem a Lula.


“Nós, líderes, devemos deixar a vaidade de lado. Eu estou disposta a ajudar a partir de um lugar onde possa ser mais útil”, disse ela no twitter em maio, ao anunciar a candidatura a vice de Fernández.



Outro movimento brilhante, que confundiu aos aliados e aos adversários, como os dois gols de Maradona contra a Inglaterra no Mundial do México, em 1986: a Frente de Todos conseguiu a adesão de Sergio Massa, que desistiu da candidatura presidencial e será o principal candidato a deputado nacional da província de Buenos Aires. Na eleição de 2015 para presidente, Massa conseguiu 21,39% dos votos. É como se Ciro Gomes tivesse se unido ao PT em 2018.

Por sua parte, o presidente Mauricio Macri anunciou sua candidatura com um candidato a vice-presidente que também surpreendeu com a escolha do peronista Miguel Angel Pichetto. O partido do Macri sempre se destacou ao criticar duramente o peronismo, junto com seus seguidores, e Pichetto foi, durante 18 anos, o chefe do bloco Justicialista (peronista) no Senado até sua renúncia em 11 de junho.

Macri também surpreendeu ao escolher um peronista para vice, em uma jogada confusa. “Sinceramente”, o efeito que eles queriam conseguir é difícil de entender: os anti-peronistas serão obrigados a votar em um “ex”-peronista
O UCR, partido aliado ao Macrismo, não terá um candidato de peso na lista. Os anti-peronistas serão obrigados a votar em um “ex”-peronista. Pichetto, um sujeito sem carisma que incentiva a mão dura com rasgos xenófobos e misóginos, é considerado pelo peronismo como um traidor, e para os aliados como um inimigo. Sem contar que, com a grande revolução que foi gerada no país graças ao crescente movimento feminista, não ter uma mulher na cartela presidencial é mais um ponto negativo para Macri.

O que os macristas esperam? Conquistar, com um traidor do peronismo, votos que seriam para Cristina? “Sinceramente”, o efeito que eles queriam conseguir é difícil de entender. Macri me lembra um tango que, como tal, sempre se cantam pra tristeza ou desgraça: Desencuentro, de Cátulo Castillo e Aníbal Troilo. “Estás desorientado y no sabes, que trole hay que tomar, para seguir…” (Você está desorientado e não sabe que bonde é preciso tomar para continuar…).





Socialista Morena

Comentário(s)

-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;

Postagem Anterior Próxima Postagem

ads

ads