Nos anos de 2010-2014, antes da Lava Jato, e economia cresce em média 3,2% ao ano. Nos anos seguintes, com Lava Jato, o país regrediu 1% ao ano

Publicado por Marcio Pochmann, para a RBA

Depois da paralisia provocada pela Lava Jato de Moro em importantes cadeias de produção, o neoliberalismo de Paulo Guedes está sendo imposto à força ao Brasil ANTÔNIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL


O profissionalismo na administração pública somente ganhou dimensão nacional a partir da década de 1930, com a implantação do Estado moderno no Brasil. Com o Departamento Administrativo do Setor Público (Dasp), em 1938, o funcionamento da máquina pública foi progressivamente qualificado tecnicamente, elevando sua eficiência e produtividade, cujas funções ampliaram-se desde a elaboração da proposta orçamentária, a realização de concursos para o ingresso no disputadíssimo funcionalismo, o estabelecimento das carreiras de Estado, entre outras.

Assim, entre as décadas de 1930 e 1980, a burocracia pública se tornou, em geral, componente fundamental para o avanço do notável projeto soberano do desenvolvimento nacional. Mesmo durante o regime autoritário, a reforma administrativa nos anos de 1960 constituiu nova tecnocracia dirigente e desenvolvimentista.

Na “Era dos Fernandos” (Collor, 1990-1992, e Cardoso, 1995-2002), contudo, a diversidade neoliberal nas alterações implementadas no interior do Estado terminou por desvirtuar completamente o sentido de administração pública comprometida com algum projeto soberano do desenvolvimento nacional. A introdução da lógica privatista na máquina pública levou ao aprofundamento do carreirismo, patrimonialismo e corrupção, cujo topo superior administrativo descolou-se, cada vez mais, do sentido geral da soberania e brasilidade.

A difusão da metodologia neoliberal nos concursos públicos e cursos voltados à atualização administrativa contratados a “preço de ouro” de algumas instituições privadas de ensino inoculou o vírus contrária ao Estado na visão da elite administrativa civil e militar. Assim, para poder ascender na hierarquia do serviço público, a certificação necessária, concedida pela proliferação de qualificações privadas contrárias à burocracia estatal, reconstituiu uma espécie de estamento administrativo neoliberal no interior o Estado, comprometido quase exclusivamente com interesses corporativos, quando não individuais.

Nesse sentido, o ordenador da despesa pública, por exemplo, passou a ganhar cada vez menos, enquanto o funcionário alocado nos órgãos de controle teve elevado a sua remuneração para o teto da administração pública. Contraditoriamente, os avanços na governança corporativa e controle integrado instalado no âmbito da União pelos poderes Legislativo (Tribunal de Contas da União – TCU) e executivo (Controladoria-Geral da União – CGU; Advocacia-Geral da União – AGU), Ministério Público da União (MPU) e outros, que conformaram o sistema “U”, não tornou necessariamente a administração pública mais eficiente, tampouco, menos corrupta.

Com a instalação da Operação Lava Jato em 2014, o controle sobre as finanças públicas ganhou ainda mais relevância, tendo sido decisiva para o aprofundamento da trajetória regressiva da economia brasileira ao longo da segunda metade da década de 2010. Concomitante com a reafirmação do receituário neoliberal de saída para a crise na qual a economia se encontra atolada desde 2015, o Brasil retrocedeu substancialmente para terminar completando, em 2019, a primeira década perdida do século 21.

Nos anos de 2010-2014, por exemplo, a economia brasileira – sem a existência da operação Lava Jato – cresceu 3,2% como média anual, enquanto na segunda metade da década de 2010 – com a presença da operação Lava Jato – o país regrediu, em média, 1% ao ano. Com isso, o desempenho do PIB acaba sendo de apenas 1,1% como média anual no último decênio.

Concomitante com o golpe de 2016, a Lava Jato contribuiu para colocar fim à perspectiva de projeto da nação, aprofundando a polarização no interior da sociedade a tal ponto de inviabilizar possível convergência de interesses internos em torno do estabelecimento de alvissareiro rumo ao país. Nesse cenário, o horizonte do depauperamento nacional dificilmente poderá ser estancado, ainda mais quando as recentes divulgações do The Intercept Brasil apontam a Operação Lava Jato enquanto projeto de poder, que contribuiu na retirada da presidenta democraticamente eleita e no impedimento da candidatura presidencial de Lula, bem como associada à artificialidade do protagonismo das vaidades, do personalismo e, inclusive, do enriquecimento a partir do uso do serviço público submetido à lógica privada.

A democratização e a higienização da lógica privatista constituem requisitos fundantes de uma reforma profunda que restabeleça as bases e funções do Estado neste início do século 21 enquanto parte necessária da solução conjunta com a sociedade dos dilemas nacionais, não mais como centro dos problemas do país.



Rede Brasil Atual

Comentário(s)

-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;

Postagem Anterior Próxima Postagem

ads

ads