Banco nórdico, Nordea, suspende compras de títulos do Governo brasileiro por incêndios. Onda de queimadas provoca cautela diante dos fundos que levam em conta práticas ambientais, sociais e de governança, que estão em alta


HELOÍSA MENDONÇA/ AGÊNCIAS
São Paulo 30 AGO 2019 - 22:17 BRT


Vegetação destruída após queimadas em Novo Progresso, na região amazônica. LEO CORREA AP

Os reflexos da crise ambiental desencadeada pelo aumento das queimadas na Amazônia chegou nesta semana ao mercado financeiro. O Nordea, o maior banco dos países nórdicos, afirmou que decidiu suspender as compras de títulos do Governo brasileiro, devido a preocupação com as respostas do Governo de Jair Bolsonaro dadas até agora aos incêndios na Amazônia. Banco nórdico, Nordea, suspende compras de títulos do Governo brasileiro devido ao aumento de incêndios.

A instituição financeira sediada em Helsinque, na capital da Finlândia, informou que está adotando uma "quarentena temporária" para a compra de bônus brasileiros denominados em dólar e real. "O que significa que não há compras adicionais e apenas ações potenciais de venda", afirmou à agência Reuters Thede Ruest, chefe de dívida dos mercados emergentes do Nordea. “Se avaliarmos desenvolvimentos positivos, podemos suspender a quarentena antes de uma data definida – igualmente se a situação piorar, talvez tenhamos que excluir os títulos do Governo brasileiro do nosso universo”, acrescentou. A Nordea Asset Management disse que sua exposição atual a esses títulos do Brasil é de aproximadamente 100 milhões de euros.

A decisão do banco nórdico é um alerta de que a questão ambiental ainda pode trazer implicações maiores ao Brasil, segundo o economista Lívio Ribeiro, da Fundação Getúlio Vargas. "Essa gestora é muito grande e o tema é bastante relevante, um sinal importante. Se esse episódio do Nordea for replicado, ele pode trazer implicações negativas importantes. A decisão não pode ser menosprezada. A última coisa que precisamos é de mais ruído para a economia brasileira", explica.

A responsabilidade ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês) é um critério crescente nos portfólios de fundos de investimentos pelo mundo, como reflexo dos grupos de pressão na sociedade organizados em torno do combate ao aquecimento global ou contra a exploração do trabalho. Veículos especializados noticiaram nesta semana que outros grupos orientados pelo ESG disseram que a onda de queimadas entrou no radar, mas nenhum deles havia anunciado ainda o passo tomado pelo Nordea.

De acordo com a Reuters, outros investidores nórdicos também têm demonstrado preocupações sobre o tema, incluindo o KLP, um fundo de pensão norueguês com mais de 80 bilhões de dólares em ativos sob gestão. O fundo disse estar em contato com empresas norte-americanas - com a quais possui investimentos- que fizeram negócios com produtores agrícolas para solicitar "ações concretas".

“Também analisaremos as empresas norueguesas que importam produtos de soja do Brasil para avaliar isso e pedimos que façam o possível para proteger as florestas tropicais”, afirmou Jeanett Bergan, chefe de investimentos responsáveis da KLP, em comunicado, segundo a Reuters.

O anúncio do banco nórdico é a mais recente reação aos milhares de incêndios no norte brasileiro, que, há semanas, geram uma crise internacional para o país, com protestos da população e de líderes mundiais preocupados com a forma em que o Governo de Bolsonaro está conduzindo a situação. A avaliação é que o presidente brasileiro teve uma reação tardia e pouco faz para proteger a maior floresta tropical do mundo.

Ambientalistas defendem grande parte dos incêndios foi ilegalmente provocada por grileiros e fazendeiros que procuram expandir pastagens na Amazônia e que se sentem encorajados pelas críticas do presidente a excessivas proteções ambientais. Bolsonaro nega, no entanto, que os incêndios sejam deliberados.

O banco nórdico afirmou, em nota, que o modo que ao Governo lida com a questão poderia afetar a estabilidade política no Brasil, ameaçando inclusive o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, e potencialmente levar companhias internacionais a boicotar produtos agrícolas brasileiros.

Multinacionais já ameaçam suspender a importação de produtos do Brasil caso a situação não se resolva. A empresa dona de marcas populares entre a classe média do país, como Kipling, Timberland e Vans, confirmou a jornais brasileiros que não utilizará mais o couro vindo do Brasil até que tenha absoluta segurança da origem dos produtos. Já a maior produtora norueguesa de salmão avalia boicotar a soja brasileira, enquanto a empresa Nestlé afirmou que está revisando a compra de subprodutos de carne e cacau da região amazônica "para garantir que esteja alinhada ao padrão de fornecimento responsável".

Além do risco de um boicote aos produtos agropecuários brasileiros, outro revés financeiro já está em curso. A Noruega e a Alemanha suspenderam repasses de quase 300 milhões de reais ao Fundo Amazônia, entidade responsável por fomentar e gerir projetos ambientais na região. Os dois países acusam Bolsonaro de falta de compromisso com a preservação. Recursos internacionais são responsáveis por quase 99% do dinheiro do fundo, que é utilizado pelos governos estaduais para a compra de viaturas e aeronaves de combate a incêndio, e também por ONGs conservacionistas.

"Europa não tem lições para nos dar"

Apesar de ter ido à TV falar sobre seu compromisso com a floresta, Bolsonaro  segue insistindo em rever reservas indígenas, que coincidem com as áreas amazônicas mais preservadas, ou prometendo liberar atividade econômica como garimpo nas áreas. Mesmo diante da forte pressão internacional, Bolsonaro continua confrontando os países críticos de sua política ambiental.

Na manhã desta sexta-feira, ele afirmou que a Europa "não tem nada a ensinar" ao Brasil sobre preservação ambiental, enquanto novos incêndios foram detectados na região amazônica no primeiro dia em que passou a valer um decreto do presidente que proíbe queimadas por 60 dias, salvo em situações permitidas pelos órgãos de fiscalização. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), desde janeiro até a última terça-feira foram registrados 83.329 focos de incêndios no Brasil, sendo mais da metade (52,1%) na selva amazônica.

O presidente brasileiro acusa a Alemanha e a França de tentarem "comprar" a soberania do Brasil após o G7, bloco que reúne as maiores potências ocidentais, oferecer 20 milhões de dólares em ajuda para combater o fogo e se negou a receber ajuda até o presidente francês, Emannuel Macron, retirar seus comentários críticos e de internacionalizar a proteção da Amazônia.

"Europa toda junta não tem lições para nos dar no tocante ao meio ambiente", afirmou Bolsonaro a jornalistas em Brasília. Mais tarde, no entanto, o presidente fez um aceno mais amigável a Alemanha e disse ter tido uma conversa por telefone "bastante produtiva" com a chanceler alemã Angela Merkel. "A pedido do Governo Alemão, o Serviço Europeu de Ação Externa foi mobilizado para avaliar a situação das queimadas na América do Sul. Segundo o SEAE, as informações de satélite do Sistema Copernicus demonstram que a área com queimadas no Brasil teve um decréscimo entre janeiro e agosto de 2019, levando-se em conta o mesmo período de 2018, o que prova o compromisso do nosso Governo com a questão ambiental", escreveu o presidente brasileiro em sua conta do Twitter.

A aliança preferencial do presidente brasileiro segue sendo com Donald Trump, a quem disse ter pedido ajuda sobre a Amazônia. Eduardo Bolsonaro, indicado pelo pai para ser embaixador do Brasil em Washington, algo que ainda depende da aprovação no Senado, esteve nesta sexta em reunião express na Casa Branca para agradecer Trump pelo apoio na crise. O presidente norte-americano também foi notícia nesta semana por ter tem tomado medidas que afrouxam a política de combate ao aquecimento global nos EUA.

Com agências Reuters e AFP




EL PAÍS Brasil

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