A direitista AfD teve crescimento robusto nas eleições regionais dos Estados alemães de Brandemburgo e da Saxônia, mas partidos que compõem coalizão do governo Merkel conseguiram estancar perdas e conter avanço.


Andreas Kalbitz (à frente, acenando), o líder da AfD em Brandemburgo. Na última semana ele admitiu que participou de um comício neonazista em 2007

Pesquisa boca de urna indica que os populistas de direita da Alternativa para Alemanha (AfD) registraram neste domingo (01/09) um crescimento robusto nas eleições parlamentares regionais dos Estados de Brandemburgo e da Saxônia, no Leste do país.

No entanto, eles não conseguiram conquistar maioria em ambos os Estados, ficando em segundo lugar, ainda atrás de siglas tradicionais como a União-Democrata-Cristã (CDU) - a legenda da chanceler federal Angela Merkel - e do Partido Social-Democrata (SPD), que governam a Saxônia e Brandemburgo desde 1990.

Os democratas-cristãos e social-democratas registraram diminuição da sua influência entre o eleitorado em comparação com os pleitos de 2014, mas a boca de urna também foi encarada com alívio pelas lideranças dos dois partidos, já que o decréscimo foi menor do que o indicado em sondagens ao longo da campanha. Apesar das perdas, a CDU ainda permaneceu à frente da AfD na Saxônia e o SPD impediu uma vitória dos populistas em Brandemburgo.

Neste último Estado, a AfD deve conquistar 22,7% dos votos, um crescimento de 10,5 pontos percentuais em relação ao pleito de 2014. Já o SPD deve terminar com 26%, menos 5,9 pontos em relação à última eleição. Na Saxônia, os populistas devem conquistar 27,3%, 17,6 pontos a mais do que em 2014, mas ainda atrás da CDU, que ficou com 32%, segundo pesquisa boca de urna - menos 7,4 pontos do que na última eleição.

Um teste para o governo Merkel


Embora os dois Estados concentrem uma população combinada de 6,5 milhões de pessoas (menos de um décimo da população do país), as eleições locais eram acompanhadas com atenção em toda a Alemanha não apenas pelo provável bom desempenho dos direitistas da AfD, mas também por causa do potencial de provocar ainda mais fissuras na coalizão do governo Merkel.

Nos últimos anos, o SPD, que é parceiro da chanceler na esfera federal, vem perdendo terreno entre o eleitorado nacional e em vários parlamentos regionais. Algumas alas da sigla culpam os seguidos maus resultados à adesão do partido ao governo Merkel.

Uma possível perda de influência decisiva em Brandemburgo, ainda mais para os direitistas da AfD, tinha potencial de alimentar ainda mais os grupos descontentes do SPD que pregam o rompimento com a chanceler. Um eventual colapso da coalizao poderia desencadear novas eleicoes federais ou deixar Merkel com um governo de minoria - cenários que provocariam um terremoto no normalmente estável mundo político da Alemanha.

Após o anúncio da boca de urna, os caciques locais do SPD celebraram o primeiro lugar. "E bom que o povo de Brandemburgo tenha deixado claro que não quer os extremistas de direita da AfD vençam", disse Lars Klingbeil, secretário-geral dos social-democratas, que governam o Estado desde 1990.

Foi uma reação parecida com a de Michael Kretschmer, o atual ministro-presidente (semelhante ao cargo de governador no Brasil) da Saxônia e chefe regional da CDU. "A face amigável da Saxônia prevaleceu. Esse é um grande dia para nosso Estado", disse o político conservador. Sua sigla governa a Saxônia desde a reunificação da Alemanha.

As eleições ainda eram encaradas como um teste de força para a consolidação do crescimento da influência do Partido Verde no plano federal. Nos últimos meses, a legenda vem aparecendo em segundo lugar nas pesquisas nacionais, pouco atrás da CDU da Merkel. Mas os verdes sempre foram historicamente fracos no Leste. O pleito deste domingo indicou um crescimento modesto na região, com 8,8% dos votos na Saxônia (3,1 pontos a mais do que em 2014) e 10,2% em Brandemburgo (+4 pontos).

A queda da Esquerda


Os dois pleitos ainda escancararam a encruzilhada do partido A Esquerda (Die Linke) no Leste. A legenda é sucessora do velho Partido Socialista-Unitário (SED) - que comandou a ditadura comunista da Alemanha Oriental - e conta ainda com antigos membros de uma ala esquerdista do SPD que deixaram a legenda social-democrata em 2005.

Nas últimas décadas, A Esquerda teve um bom histórico de desempenho eleitoral no Leste, mas as pesquisas já indicavam que a legenda vinha perdendo parte do seu eleitorado para os direitistas da AfD, que nos últimos anos vêm se consolidando como principal força antissistema em boa parte dos antigos territórios da Alemanha Oriental.

E as eleições deste domingo acabaram mostrando um encolhimento notável da Esquerda em Brandemburgo e na Saxônia. No primeiro Estado, a legenda deve conquistar 11%, menos 7,6 pontos percentuais em relação a 2014. Já na Saxônia, o partido regrediu 8,4 pontos percentuais, ficando com 10,5%. "Meu partido sofreu neste domingo um desastre sem precedentes”, disse Dietmar Bartsch, o chefe da bancada da legenda no Parlamento Federal.

AfD celebra resultados, mas líderes esperavam mais


Embora os resultados da AfD tenham mostrado a consolidação da sigla nos parlamentos estaduais do Leste, eles também ficaram um tanto aquém das expectativas dos caciques da sigla, que esperavam terminar em primeiro lugar em pelo menos um dos pleitos regionais, provocando ainda mais fissuras no governo Merkel.

Alice Weidel, uma das líderes da AfD, disse acreditar que os resultados obtidos pela AfD ainda possam desestabilizar Merkel. "A CDU e o SPD sofreram perdas. Nosso sucesso aqui pode ser o gatilho para o desmanche da coalizão em Berlim”, disse após o anúncio dos resultados.

Há poucos dias, pesquisas chegaram a indicar que a AfD estavam tecnicamente empatada com o SPD em Brandemburgo, mas ao final a sigla ainda ficou cinco pontos percentuais atrás dos social-democratas. Na última semana, no entanto, a campanha local do partido se viu envolta em controvérsias quando a imprensa relevou que Andreas Kalbitz, um cacique da AfD no Estado, tinha participado de um comício neonazista na Grécia em 2007.

Na Saxônia, a AfD também chegou a aparecer tecnicamente empatada com a CDU em pesquisas realizadas em junho e julho, mas ao final deve ficar 4,5 pontos percentuais atrás dos democratas-cristãos.

Fundada em 2013 como um agrupamento político eurocético, a AfD rapidamente se metamorfoseou em uma legenda populista de extrema direita focada especialmente em combater a entrada de estrangeiros na Alemanha e em canalizar a insatisfação de alemães do leste com o sistema político.

A sigla também já se envolveu em uma série de controvérsias. Alguns de seus líderes já fizeram declarações abertamente racistas e relativizaram o peso dos crimes nazistas na Segunda Guerra Mundial.

Em 2017, a legenda conseguiu se tornar a terceira maior força do Bundestag (o parlamento federal) e o maior partido de oposição ao governo Merkel. Mas a sigla ainda enfrenta dificuldades para conseguir transformar sua retórica em ações concretas. Apesar de estar presente em todos os parlamentos regionais da Alemanha, a AfD não participa de nenhuma coalizão de governo estadual. Também nunca conseguiu eleger um prefeito.

E, na prática, a AfD - apesar de ter aumentado significativamente sua presença nos parlamentos dos dois Estados e consolidado ainda mais sua influência no Leste - ainda permaneceu com um eleitorado na região similar ao registrado nas eleições nacionais de 2017. Há dois anos, 27% dos eleitores da Saxônia votaram na lista de candidatos AfD. Em Brandemburgo, foram 20,2%.

Impacto na formação de governos


Na Alemanha, o sistema para a formação de governos estaduais também é parlamentarista. Um partido que obter mais da metade dos assentos no parlamento local conquista o posto de ministro-presidente do Estado. Mas, como nem sempre um partido sozinho conquista tantos assentos, muitas vezes é preciso que as legendas mais votadas formem coalizões para governar.

Nas eleições de 2014 na Saxônia e em Brandemburgo nenhum partido conseguiu conquistar maioria para governar sozinho. No primeiro, o SPD, que conquistou a maior parte do eleitorado, acabou formando um governo com a Esquerda, o terceiro partido mais votado.

Já em Brandemburgo, a CDU da chanceler Merkel formou uma coalizão com a SPD. Em ambos os casos, o posto de ministro-presidente ficou com o partido mais votado da coalizão, com outros postos de governo sendo preenchidos por quadros do parceiro.

Mas nas eleições anteriores houve menos fragmentação, permitindo a formação de governos com no máximo dois partidos ou entre parceiros não tão distantes no espectro ideológico.

No entanto, as perdas da CDU, do SPD e da Esquerda neste domingo devem complicar novos arranjos tão simples. Em Brandemburgo, a porcentagem de votos obtida neste domingo pelo SPD e pela A Esquerda é insuficiente para manter a atual coalizão funcionando e será preciso atrair novos parceiros para garantir mais da metade dos assentos no Parlamento local.

Já que o SPD disse que vai recusar negociar com os direitistas da AfD, que ficaram em segundo lugar, a alternativa será abrir negociações com a CDU ou os Verdes, abrindo caminho para uma coalizão de três partidos.

Na Saxônia, o cenário é parecido, Neste caso, a CDU e a SPD governam juntas o Estado desde 2014. Desta vez, seus votos combinados devem somar apenas 42,5%. Assim como em Brandemburgo, as duas siglas já avisaram que não vão aceitar negociar com a AfD. Restará a possibilidade de abrir negociações com os Verdes, que apesar do crescimento um tanto modesto nos pleitos deste domingo, podem vir a fortalecer sua posição em dois Estados historicamente difíceis para a legenda.


DW

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