Uma pequena lista de filmes mais voltados ao início e ao cotidiano do regime para jamais esquecer.


Antônio Modesto



Em menos de duas semanas, um parlamentar brasileiro sugeriu “um novo AI-5” e houve um golpe de Estado com apoio dos militares na Bolívia – ou, no mínimo, entrou em uma “conjuntura especial” em que o presidente renunciou, pressionado por ações violentas da oposição e “estimulado” pelos militares. Passeatas pedindo um governo militar foram testemunhadas em anos recentes, e o próprio presidente da República e seus filhos parlamentares já elogiaram a ditadura militar brasileira e exaltaram torturadores.
A memória do período de 1964 a 1985 parece não ser a mesma para as pessoas. Para algumas, ela traz lembranças românticas de cantar o hino nacional nas escolas e poder brincar na rua e a impressão de que o país era mais seguro e não havia corrupção (ambas inverdades, como pode ser lido aquiaqui e aqui). Para outras, essa época representa suspensão de direitos (como a liberdade de expressão e de imprensa), perseguição política (inclusive de militares tidos como subversivos), fechamento do congresso, prisões arbitrárias, tortura, desaparecimento e assassinatos sistematicamente cometidos por órgãos do Estado.
Nesse sentido, venho sugerir alguns filmes sobre a ditadura militar brasileira, para refrescar memórias e contar algumas coisas a quem tem uma visão otimista daqueles tempos.
Em uma pesquisa preliminar, encontrei quase 40 documentários e filmes baseados em fatos sobre a ditadura militar brasileira; nesse texto, escolhi aqueles mais voltados ao início e ao cotidiano do regime. Quase todos estão disponíveis integralmente no YouTube.

1. Jango, de Silvio Tendler (1984)

O slogan do filme diz muito sobre ele: “como, quando e por que se derruba um presidente”. O documentário refaz a trajetória política de João Goulart, “Jango”, 24º presidente brasileiro, deposto por um golpe militar nas primeiras horas de 1º de abril de 1964.
O documentário captura a efervescência da política brasileira durante a década de 1960 sob o contexto histórico da Guerra Fria. Ele narra os detalhes do golpe, passa pelos movimentos de resistência à ditadura, e termina com a morte do presidente no exílio e imagens de seu funeral – cuja exibição foi censurada à época pelo regime militar.


2. O dia que durou 21 anos, de Camilo Tavares (2013)

Documentário que discute o apoio financeiro, político, militar e de inteligência dos Estados Unidos ao golpe de 1964, através de entrevistas com pesquisadores, militantes e militares e material de época de origem brasileira e estadunidense.
Em meio à Guerra Fria, os EUA temiam que o Brasil fosse a próxima peça de um efeito dominó e se tornasse “uma nova Cuba”. Documentos da CIA e do Departamento de Estado estadunidense se referiam ao golpe como “revolução democrática”, assim como os militares da época – e muitas figuras influentes de hoje.

3. Em nome da segurança nacional, de Renato Tapajós (1984)

O documentário de menos de uma hora discute a Lei de Segurança Nacional e a Doutrina da Segurança Nacional, eixo ideológico da ditadura militar no Brasil.
O filme mostra os efeitos da aplicação dessa doutrina em diversos segmentos da sociedade brasileira. Tem a participação do político Teotônio Vilella, do advogado Márcio Thomaz Bastos e do jurista Hélio Bicudo, e dá destaque à atuação sindical e ao fortalecimento de Luis Inácio Lula da Silva como líder político.

4. Terra em transe, de Glauber Rocha (1967)

“E atenção, senhoras e senhores: vejam como se fez um político!
Vejam como um homem, sem nunca ter contacto com o povo,
pôde se fazer grande e honrado nesta terra de Eldorado!”
Um retrato alegórico do golpe militar no Brasil, revolucionário em sua forma e conteúdo, a história conta como um político conservador, religioso e autoritário chega ao poder em um país fictício através de um golpe, e como o surgimento de um líder opositor se mostra frustrante.

5. Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski (2009)

O documentário conta a história de Hanning Albert Boilesen, presidente do grupo Ultragaz e um dos primeiros executivos a financiar o aparato político-militar brasileiro, por meio da Operação Bandeirante (OBAN), que viria a ser o embrião do modus operandi dos DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações-Coordenação de Defesa Interna).
Boilesen foi espectador de algumas sessões de tortura, e chegou a importar dos EUA um aparelho de tortura por choques elétricos, apelidado de “pianola de Boilesen”.

6. O ano em que meus pais saíram de férias, de Cao Hamburguer (2006)

Filme semiautobiográfico, inspirado na breve detenção de seus pais, professores da USP, e o período em que a família (incluindo o diretor, então com 8 anos) ficou sob os cuidados de seus avós. O filme conta a história de um menino cujos pais saíram de férias repentinamente e sem muita explicação em 1970 – na verdade, eram militantes de esquerda perseguidos pela ditadura militar.
O menino acaba sob os cuidados de um vizinho, um velho judeu solitário, e vive as tristezas e alegrias da época (como o desempenho da seleção de futebol) enquanto aguarda um telefonema dos pais.

7. Eles não usam black-tie, de Leon Hirszman (1981)

Conta a história de um operário que fura uma greve em sua empresa por medo de perder o emprego agora que sua namorada está grávida. A greve é liderada por seu pai, e os conflitos familiares e trabalhistas se misturam, mostrando política não começou a dividir parentes há apenas dois anos.
O filme é estrelado pelo autor da peça que o originou, Gianfrancesco Guarnieri, além de Fernanda Montenegro, Milton Gonçalves, Carlos Alberto Riccelli e Bete Mendes, entre outros.

8. Pra frente brasil, de Roberto Farias (1982)

Esse é para aqueles que insistem que “a ditadura só torturou bandido, não gente de bem” (como se mesmo isso fosse aceitável), e que “se alguém era perseguido, devia ter culpa no cartório”.
O filme conta a história não incomum de um homem confundido com um militante político, que é torturado nos quartéis do aparelho repressor em meio à febre da Copa do Mundo de 1970.

Bônus: No, de Pablo Larraín (2013)

Na semana passada, um deputado estadual de São Paulo protocolou uma homenagem na Assembleia Legislativa do Estado ao ditador chileno Augusto Pinochet, a ser realizada em 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Embora o parlamentar aponte que o general Pinochet foi um defensor dos direitos humanos incompreendido, o regime (que durou de 1973 a 1990) levou cerca de 200 mil pessoas ao exílio, torturou quase 40.000 e foi responsável pela morte de mais de 3.200 pessoas – mais de oito vezes o número reconhecido de mortos e desaparecidos no Brasil no período de 1946 a 1985.
O presidente da Alesp já se afirmou que impedirá a homenagem.
O filme chileno “No”, protagonizado por Gael García Bernal, conta a história do plebiscito de 1988, convocado pelo governo em resposta à pressão popular e internacional. 54,71% das pessoas votaram não à ditadura, o que levou à convocação de eleições para presidente e parlamentares em 1989, encerrando a ditadura no ano seguinte.




Antônio Modesto
Médico de Família e Comunidade e doutor em Medicina Preventiva pela USP. Professor na Faculdade de Medicina da Unicid. Carioca de sotaque e paulistano de coração, toca cinco instrumentos mas nenhum bem. Tem estudado gênero, saúde dos homens e medicalização da vida.

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