Foto: Evaristo Sá/AFP

Neste momento, o desafio de Michel Temer é convencer a política, a economia e a população de que ainda detém autoridade suficiente para conduzir o país – sem grandes sobressaltos – através do processo eleitoral de outubro e entregar o cargo nas mãos de alguém eleito pelo voto direto em janeiro de 2019. Ou seja, convencer de que é capaz de ir embora sem fazer mais nenhum estrago à instituições até lá.

No Congresso Nacional, base aliada e oposição analisam abertamente como ficará o exercício do poder até lá Como a Copa do Mundo chega em breve – quando os caminhões voltarem a entregar as TVs compradas em parcelas a perder de vista pela população – e depois começa a campanha eleitoral, argumenta-se que não haveria tempo hábil, quórum e paciência para um processo de impeachment. Muito menos consenso de quem ou o que colocar em seu lugar na escolha indireta. Além disso, nada indica que ele renunciaria – até porque sabe que o tempo corre a seu favor.




Sim, Temer é como a greve: continua onde está por inércia.

Se o governo tivesse consultado o estagiário que atua nas redes sociais do Palácio do Planalto, teria percebido, logo no início, que o movimento não era como outros. Organizado de forma descentralizada via aplicativos de mensagens, com estopim nos interesses de motoristas autônomos, mas engrossado por empresários do setor de transporte, não contava com lideranças reconhecidas como tal e, portanto, não poderia ser interrompido do dia para a noite. A arrogância do governo e sua incapacidade de entender a conjuntura fez com que começasse a agir quando já era tarde demais.

Segundo pesquisa Datafolha, realizada por telefone, nesta terça (29), com margem de erro de três pontos, 77% dos entrevistados discorda da condução da negociação da greve por Temer e, para 96%, ele demorou para negociar. O significado disso foi resumido por um deputado da base aliada, ao blog, nesta terça (29): ''Como alguém que não é visto como interlocutor confiável em uma negociação pode continuar sendo presidente?''

Movimento que, por canalizar o sentimento antigoverno e contra impostos, conta com a aprovação de 87% dos entrevistados, de acordo com a pesquisa Datafolha. Além disso, 92% considera justa a pauta dos caminhoneiros pela redução do preço do combustível e 56% acha que a paralisação deve seguir.

Não são grupos de lunáticos e inconsequentes, enrolando-se em bandeiras e pedindo golpe militar, o principal problema, mas o desabastecimento causado pela longa paralisação. Afinal, vive-se sem combustível, mas não sem comida ou remédios. De acordo com a pesquisa Datafolha, até agora, 24% da população teve dificuldade para comprar alimentos – pouco ainda se comparado aos 52% que sentiram dificuldade para abastecer seu veículo. E, como aponta matéria da Folha de S.Paulo, publicada nesta quarta (30), a falta de produtos já atingiu patamares comparáveis ao que se vê em países onde ocorrem desastres naturais. A avaliação é de uma empresa especializada em gestão de estoque de varejo, que acompanha mais de 25 mil lojas.

Pelo que afirmam os generais da ativa e da reserva, não há risco de golpe militar. O mesmo não pode se dizer de protestos civis caso a vida demore para voltar ao seu curso normal. E não estou me referindo aos malucos supracitados, mas o grosso da população, que – até agora – está assistindo tudo bestializada pela TV.

Temer tem alguns dias para convencer os motoristas autônomos em greve a voltarem ao trabalho, punir os empresários de transporte envolvidos no locaute e desarticular grupos de extrema direita que tentam surfar no movimento, pedindo golpe militar. Isso sem contar que terá que evitar a contaminação para outras categorias, enquanto busca não chatear o mercado por conta da Petrobras e tenta resolver o rombo deixado pela redução do diesel (87% da população é contra o aumento de impostos e cortes de gastos públicos para atender às reivindicações, segundo o Datafolha). A continuidade de seu governo, contudo, não depende mais só dele.

Como chegamos até esse ''foda-se'' generalizado? Para apear rapidamente o PT do poder, instituições foram esgarçadas. Um processo de impeachment com justificativas frágeis foi votado por políticos que queriam salvar seus pescoços; uma Justiça claramente parcial chegou ao ponto de divulgar grampos ilegais para fazer andar o processo; empresários investiram em protestos para colher benesses do futuro governo; uma mídia que se tornou animadora de torcida chamou a população às ruas.

Em uma democracia jovem como a nossa, não se brinca com instituições sem consequências. Curiosamente, muitos dos atores que forçaram a barra naquela época agora cobram de outros grupos que não protestem ou critiquem o governo, pois a economia não pode ser prejudicada.

Com o aprofundamento do esgarçamento, pagamos todos o preço do clima de desrespeito a leis e regras com o consequente ''foda-se'' a tudo aquilo que nos une como um país. Um naco do país cultiva desalento, impotência, desgosto e cinismo. Isso pode estourar em manifestações ou gerar uma bomba-relógio, que vai explodir invariavelmente em algum momento, ferindo de morte a democracia.

Pois caídas em descrença, instituições levam décadas para se reerguer – quando conseguem. ''Se os políticos e empresários não seguem leis, por que nós otários temos que seguir?'', perguntam alguns. No meio desse vácuo, surge a oportunidade de que, dentre os semoventes que se consideram acima das leis, alguns se apresentem como a saída para os nossos problemas. Como salvadores da pátria, que acabam por afundar a república.

O que vai acontecer ao certo, ninguém sabe.

Mas Temer vai amargar café frio daqui até seu último dia no Planalto.


Blog do Sakamoto


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