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Largo Glênio Peres, em frente ao Mercado Público, tomado pela água. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil |
Descaso da administração de Sebastião Melo com o serviço público e o sistema anti-enchente leva cidade ao caos. Insatisfação é sentida nas ruas alagadas, nas redes e no parlamento
Priscila Lobregatte
vermelho.org.br
7–9 minutos
A situação do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), não está nada boa, tal qual a cidade que precariamente governa. O sucateamento de estruturas públicas, a falta de manutenção no sistema anti-enchentes e sua gestão pouco eficiente frente aos avisos emitidos e à crise climática desnudaram de vez o grau de despreparo da atual administração. Tal qual o solo gaúcho, encharcado de tanta água, moradores da capital estão saturados.
Protestos não faltam e já há os que defendem sua renúncia ou impeachment. Um pedido de afastamento do prefeito foi apresentado na semana passada pela União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa). Ainda que a avaliação seja de que o pedido tenha dificuldades de vingar — tendo em vista a blindagem da base governista, que é majoritária — o pedido levanta o debate sobre o que a cidade precisa e pode servir para explicitar a insatisfação de boa parte da sociedade e do parlamento com a atual gestão.
Afinal, Porto Alegre enfrenta talvez o seu pior momento, misto da crise ambiental com a incompetência administrativa. Com vários bairros tomados pelas águas do Guaíba, milhares de cidadãos sofrem com ruas, casas e estabelecimentos alagados e com a falta de energia e de água nas torneiras. Muitos tiveram de deixar suas casas às pressas e ir para abrigos. Outros rumaram para o Litoral.
Na semana passada, quando alguns já tentavam retomar a vida, nova chuva voltou a castigar a cidade e as comportas voltaram a ser fechadas. Com o lixo da cheia que tomara a cidade dias antes e as bombas funcionando ainda parcialmente, o alagamento, que havia diminuído em alguns locais, retornou ou piorou a situação daqueles que permaneciam inundados.
A insatisfação é crescente. Nesta segunda-feira (27), moradores dos bairros Humaitá e Vila Farrapos, na Zona Norte, fizeram protesto na BR-290, nas proximidades da Arena do Grêmio, devido às inundações na região, que já duram 25 dias. Em alguns locais, a água chegou a 1,8 metro.
O Departamento Municipal de Águas e Esgoto (Dmae) havia informado que uma bomba para retirar a água seria instalada no fim de semana, o que não havia sido cumprido até esta segunda. Na semana passada, a comunidade já havia manifestado sua insatisfação com o quadro caótico que enfrenta.
No dia 13, moradores da Cidade Baixa também foram às ruas contra a falta de energia após alagamentos. Vídeos nas redes mostram panelaços pedindo “Fora Melo” e pelas ruas da cidade, é comum serem achados móveis descartados com frases de protesto contra o prefeito e o governador, Eduardo Leite (PSDB).

A cada dia, portanto, fica mais nítido que a negligência da prefeitura com o sistema anti-cheias da cidade está na raiz do problema. Apesar do alto volume de águas que escoou para o Guaíba e das chuvas que caíram forte sobre a cidade, especialistas apontam que se o sistema estivesse funcionando corretamente, Porto Alegre não teria sido tão afetada. E avisos não faltaram, como vem demonstrando uma série de denúncias.
Entre as mais recentes está o lançamento de manifesto, na quinta-feira (23), assinado por 42 engenheiros, arquitetos e geólogos, sobre o funcionamento do sistema anti-enchentes da cidade. De cara, o documento afirma que “o Sistema de Proteção contra Inundações de Porto Alegre é robusto, eficiente e fácil de operar e manter”, tendo faltado, basicamente, manutenção, mas também modernização e ampliação do mesmo.
Durante o lançamento do documento, o engenheiro Vicente Rauber, ex-diretor do extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), destacou que “o mais urgente que tinha que ser feito — desenvergar [as comportas], trocar as borrachas — não foi feito. Não precisaríamos ter sequer 10% da inundação que nós tivemos”, se o sistema tivesse recebido a manutenção adequada.
Agora, acrescentou, “estamos num círculo vicioso: as casas de bomba não funcionam porque foram inundadas, e a água não sai porque não tem bomba [funcionando]”.
Cabe destacar que ao longo das últimas décadas, o Dmae (Departamento Municipal de Água e Esgoto) vem tendo sua estrutura sucateada. Responsável pelo sistema, o órgão contava com 2.493 funcionários em 2007; hoje, são 1.050, ou seja, menos da metade.
O último concurso do Dmae aconteceu em 2014 e, em 2022, Melo preferiu não contratar 443 funcionários, mesmo tendo sido autorizado pela Secretaria da Fazenda.
Além disso, a queda nos investimentos também foi abrupta na última década: de quase R$ 240 milhões em 2012 para cerca de R$ 137 milhões em 2022. Funcionários ainda acusam o prefeito de reter cerca de R$ 400 milhões da autarquia, que poderiam estar sendo usados para melhorias nos serviços.
Conforme recentemente noticiado, em 2023, a prefeitura não aportou nada em prevenção a enchentes, além de ter havido queda no valor gasto com essa área entre 2021, quando foi de R$ 1,7 milhão, e 2022, quando desabou para R$ 141 mil.
No caso da Defesa Civil, os gastos foram de, apenas, R$ 11,6 milhões desde 2021, de acordo com o Relatório Resumido da Execução Orçamentária, enviado anualmente pela prefeitura ao Ministério da Fazenda.
Em sessão plenária na última quarta-feira (22), o vereador Giovani Culau (PCdoB) destacou: “Foi dito aqui, pelas representações do governo, que os resgates foram feitos de forma improvisada. E eu não consigo naturalizar uma manifestação dessa. Se foi feito o resgate de forma improvisada, é porque se falhou no monitoramento, se falhou no sistema de alertas, se falhou na não construção de educação climática para que a população compreenda o sistema de alertas”.
Para ajudar no enfrentamento do problema, o vereador propôs a criação, na Câmara Municipal, da Comissão Especial de Emergência Climática e Alternativas Urbanas e Socioambientais. Para ele, “é preciso que todas as instituições municipais dediquem esforços para entender porque chegamos a este ponto e o que fazer para garantir que os eventos climáticos tenham o menor impacto possível para o nosso povo e para a cidade”.
vermelho.org.br
7–9 minutos
A situação do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), não está nada boa, tal qual a cidade que precariamente governa. O sucateamento de estruturas públicas, a falta de manutenção no sistema anti-enchentes e sua gestão pouco eficiente frente aos avisos emitidos e à crise climática desnudaram de vez o grau de despreparo da atual administração. Tal qual o solo gaúcho, encharcado de tanta água, moradores da capital estão saturados.
Protestos não faltam e já há os que defendem sua renúncia ou impeachment. Um pedido de afastamento do prefeito foi apresentado na semana passada pela União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa). Ainda que a avaliação seja de que o pedido tenha dificuldades de vingar — tendo em vista a blindagem da base governista, que é majoritária — o pedido levanta o debate sobre o que a cidade precisa e pode servir para explicitar a insatisfação de boa parte da sociedade e do parlamento com a atual gestão.
Afinal, Porto Alegre enfrenta talvez o seu pior momento, misto da crise ambiental com a incompetência administrativa. Com vários bairros tomados pelas águas do Guaíba, milhares de cidadãos sofrem com ruas, casas e estabelecimentos alagados e com a falta de energia e de água nas torneiras. Muitos tiveram de deixar suas casas às pressas e ir para abrigos. Outros rumaram para o Litoral.
Na semana passada, quando alguns já tentavam retomar a vida, nova chuva voltou a castigar a cidade e as comportas voltaram a ser fechadas. Com o lixo da cheia que tomara a cidade dias antes e as bombas funcionando ainda parcialmente, o alagamento, que havia diminuído em alguns locais, retornou ou piorou a situação daqueles que permaneciam inundados.
A insatisfação é crescente. Nesta segunda-feira (27), moradores dos bairros Humaitá e Vila Farrapos, na Zona Norte, fizeram protesto na BR-290, nas proximidades da Arena do Grêmio, devido às inundações na região, que já duram 25 dias. Em alguns locais, a água chegou a 1,8 metro.
O Departamento Municipal de Águas e Esgoto (Dmae) havia informado que uma bomba para retirar a água seria instalada no fim de semana, o que não havia sido cumprido até esta segunda. Na semana passada, a comunidade já havia manifestado sua insatisfação com o quadro caótico que enfrenta.
No dia 13, moradores da Cidade Baixa também foram às ruas contra a falta de energia após alagamentos. Vídeos nas redes mostram panelaços pedindo “Fora Melo” e pelas ruas da cidade, é comum serem achados móveis descartados com frases de protesto contra o prefeito e o governador, Eduardo Leite (PSDB).
Descaso com manutenção

Foto: reprodução/redes sociais
A cada dia, portanto, fica mais nítido que a negligência da prefeitura com o sistema anti-cheias da cidade está na raiz do problema. Apesar do alto volume de águas que escoou para o Guaíba e das chuvas que caíram forte sobre a cidade, especialistas apontam que se o sistema estivesse funcionando corretamente, Porto Alegre não teria sido tão afetada. E avisos não faltaram, como vem demonstrando uma série de denúncias.
Entre as mais recentes está o lançamento de manifesto, na quinta-feira (23), assinado por 42 engenheiros, arquitetos e geólogos, sobre o funcionamento do sistema anti-enchentes da cidade. De cara, o documento afirma que “o Sistema de Proteção contra Inundações de Porto Alegre é robusto, eficiente e fácil de operar e manter”, tendo faltado, basicamente, manutenção, mas também modernização e ampliação do mesmo.
Durante o lançamento do documento, o engenheiro Vicente Rauber, ex-diretor do extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), destacou que “o mais urgente que tinha que ser feito — desenvergar [as comportas], trocar as borrachas — não foi feito. Não precisaríamos ter sequer 10% da inundação que nós tivemos”, se o sistema tivesse recebido a manutenção adequada.
Agora, acrescentou, “estamos num círculo vicioso: as casas de bomba não funcionam porque foram inundadas, e a água não sai porque não tem bomba [funcionando]”.
Cabe destacar que ao longo das últimas décadas, o Dmae (Departamento Municipal de Água e Esgoto) vem tendo sua estrutura sucateada. Responsável pelo sistema, o órgão contava com 2.493 funcionários em 2007; hoje, são 1.050, ou seja, menos da metade.
O último concurso do Dmae aconteceu em 2014 e, em 2022, Melo preferiu não contratar 443 funcionários, mesmo tendo sido autorizado pela Secretaria da Fazenda.
Além disso, a queda nos investimentos também foi abrupta na última década: de quase R$ 240 milhões em 2012 para cerca de R$ 137 milhões em 2022. Funcionários ainda acusam o prefeito de reter cerca de R$ 400 milhões da autarquia, que poderiam estar sendo usados para melhorias nos serviços.
Conforme recentemente noticiado, em 2023, a prefeitura não aportou nada em prevenção a enchentes, além de ter havido queda no valor gasto com essa área entre 2021, quando foi de R$ 1,7 milhão, e 2022, quando desabou para R$ 141 mil.
No caso da Defesa Civil, os gastos foram de, apenas, R$ 11,6 milhões desde 2021, de acordo com o Relatório Resumido da Execução Orçamentária, enviado anualmente pela prefeitura ao Ministério da Fazenda.
Em sessão plenária na última quarta-feira (22), o vereador Giovani Culau (PCdoB) destacou: “Foi dito aqui, pelas representações do governo, que os resgates foram feitos de forma improvisada. E eu não consigo naturalizar uma manifestação dessa. Se foi feito o resgate de forma improvisada, é porque se falhou no monitoramento, se falhou no sistema de alertas, se falhou na não construção de educação climática para que a população compreenda o sistema de alertas”.
Para ajudar no enfrentamento do problema, o vereador propôs a criação, na Câmara Municipal, da Comissão Especial de Emergência Climática e Alternativas Urbanas e Socioambientais. Para ele, “é preciso que todas as instituições municipais dediquem esforços para entender porque chegamos a este ponto e o que fazer para garantir que os eventos climáticos tenham o menor impacto possível para o nosso povo e para a cidade”.
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