A corrupção e o patrimonialismo são uma verdadeira herança maldita que carregamos por décadas, ou mesmo por séculos ao longo de nossa história.

Wadih Damous (*)

Tudo indica que a oposição de PSDB e assemelhados tentará pautar a corrupção como tema central da campanha eleitoral para a Presidência. Como suas propostas programáticas não têm muita substância, a comparação entre os governos tucanos e petistas não lhes é favorável e o assunto tem forte apelo popular, tende a ser trazido exaustivamente.

Considero um erro o PT fugir do assunto na campanha. Por várias razões.

Primeiro, porque é indiscutível que houve casos mal explicados, que podem configurar corrupção, nos governo petistas.

Depois, porque, como lembrou o próprio ministro Gilberto Carvalho, em declarações recentes, a acusação ao PT de certa forma teve acolhida junto ao eleitorado, que já não vê mais o partido como uma legenda impoluta, como no passado. Isso, claro, deve-se muito às campanhas insidiosas e desleais da grande mídia. Mas, também, à falta de transparência do PT e do governo em enfrentar as acusações de corrupção.

Em terceiro lugar porque um partido sério não deve fugir ou se incomodar com o debate a esse respeito. Menos ainda deve limitar-se a taxar de udenismo a preocupação com o combate à corrupção - ainda que haja udenismo, como, de fato, há. Ademais, nem a UDN era exatamente um exemplo de probidade, nem a corrupção é algo pouco importante, que deva ser jogada para baixo do tapete em nosso país.

Nesse debate, é preciso mostrar alguns pressupostos e mudar a qualidade da discussão, fazendo com que ela prospere no sentido de se mudar certas regras do jogo político que favorecem o aparecimento de casos de corrupção.

O primeiro pressuposto é a lembrança de que a Polícia Federal tem atuado como órgão de Estado e não de governo. Em seu trabalho, não tem olhado a cor partidária dos suspeitos de corrupção. Numa democracia, este comportamento republicano não é desprezível. Ao contrário. É da maior importância.

Ponto para o governo.

Depois porque – embora isso não deva servir para justificar malfeitos em governos petistas – ninguém, em sã consciência, afirmaria que a corrupção começou, ou mesmo se acentuou, nas gestões do PT à frente do Executivo federal.

A afirmação não se sustenta por um instante sequer.

A corrupção e o patrimonialismo são uma verdadeira herança maldita que carregamos por décadas, ou mesmo por séculos ao longo de nossa história.

Mais recentemente, o processo de privatizações desencadeado pelo PSDB nos governos FHC alimentou o maior surto de transferência de recursos públicos para mãos privadas de todos os tempos. Sem falar nos procedimentos que garantiram a emenda da reeleição, naquela época.

Não precisamos nos estender a respeito disso, basta olharmos o caso da Vale. Ela foi privatizada em 1997, por R$ 3,3 bilhões. Só no ano em que foi leiloada, seu lucro líquido foi de R$ 12,5 bilhões, mais de três vezes o valor de sua venda.

Foi um verdadeiro negócio da China. Dos tempos em que os ingleses davam as cartas naquele país, bem entendido.

Assim, não há porque o PT entrar nesse debate sobre corrupção na defensiva. E seria interessante desafiar os tucanos para que se somassem a propostas que ajudassem a fechar a porta para malfeitos.

Citaremos apenas duas, para que não precisar ir muito longe.

A primeira, a proibição de doações de pessoas jurídicas para partidos ou candidatos. Essa proposta faz parte de um conjunto de proposições levada pela OAB federal ao STF, já que o Congresso resiste com unhas e dentes a qualquer mudança nesse sentido. Ela está praticamente aprovada no Supremo, pois a maioria de seus membros já se manifestou a favor. A votação foi interrompida por um “embargo de gaveta” do ministro Gilmar Mendes, cujas inclinações políticas são conhecidas e não se inclinam para o lado do PT. Ele pediu vistas do processo e impediu que a decisão já vigorasse este ano.

Como empresas não fazem caridade, mas investimentos, essa proibição seria fundamental para se inibir a corrupção.

Uma segunda proposta teria como objetivo amarrar de forma mais clara e em que condições contratos poderiam receber aditivos que modifiquem o preço vigente quando da licitação.

Nesses aditivos reside um enorme pé-de-cabra para facilitar o superfaturamento.

Os tucanos estariam dispostos a fechar estas duas portas para a corrupção?

Se a resposta for afirmativa, podemos conversar seriamente.

Caso contrário, ficará comprovado que seu barulho sobre o tema não passa de conversa de fariseu.


(*) Presidente licenciado da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro

Carta Maior

Comentário(s)

-Os comentários reproduzidos não refletem necessariamente a linha editorial do blog
-São impublicáveis acusações de carácter criminal, insultos, linguagem grosseira ou difamatória, violações da vida privada, incitações ao ódio ou à violência, ou que preconizem violações dos direitos humanos;
-São intoleráveis comentários racistas, xenófobos, sexistas, obscenos, homofóbicos, assim como comentários de tom extremista, violento ou de qualquer forma ofensivo em questões de etnia, nacionalidade, identidade, religião, filiação política ou partidária, clube, idade, género, preferências sexuais, incapacidade ou doença;
-É inaceitável conteúdo comercial, publicitário (Compre Bicicletas ZZZ), partidário ou propagandístico (Vota Partido XXX!);
-Os comentários não podem incluir moradas, endereços de e-mail ou números de telefone;
-Não são permitidos comentários repetidos, quer estes sejam escritos no mesmo artigo ou em artigos diferentes;
-Os comentários devem visar o tema do artigo em que são submetidos. Os comentários “fora de tópico” não serão publicados;

Postagem Anterior Próxima Postagem

ads

ads